Formulários e livros serão substituídos por transferência eletrônica de obrigações fiscais
Não é para menos que o regime de impostos do país é considerado um dos mais complicados do planeta. São 79 tributos e mais de 5 000 leis para regulá-los, que sofrem uma inacreditável média de três alterações a cada 2 horas (veja reportagem na pág. 48). Num cenário desses, é mais do que esperado que a maioria das empresas cometa algum erro no recolhimento dos impostos ou na hora de prestar as inúmeras informações exigidas pelos vários órgãos arrecadadores com que têm de lidar. A IOB realizou um estudo simulando uma auditoria fiscal sobre as operações realizadas em 2007 por 223 empresas e descobriu que quase todas cometeram algum erro no relacionamento com os órgãos arrecadadores. Os lapsos de procedimento explicam parte considerável das autuações federais, que somaram 95 bilhões de reais no ano passado. Pelo menos um erro, cometido por 94% das empresas analisadas, nada tem a ver com tentativa de sonegação: as empresas simplesmente deixaram de utilizar créditos de ICMS a que tinham direito — ou seja, pagaram ao Fisco mais do que deveriam. Qualquer engano desse tipo será detectado pelo Sped, resultando em mais autuações.
A preparação para a entrada em funcionamento do novo sistema já começou. Foram investidos 127 milhões de reais para desenvolver o Sped, cujo embrião foi a implantação da nota fiscal eletrônica, obrigatória para alguns contribuintes desde abril deste ano — atualmente, 4 800 empresas e suas filiais utilizam o sistema digital. Em janeiro de 2009, outras 45 000 companhias serão obrigadas a usar a nota eletrônica. A convocação das empresas será realizada em levas, começando pelas maiores. Somente as pequenas e as microempresas adeptas do Simples Nacional ficarão de fora. O funcionamento da nota fiscal eletrônica dá a dimensão do alcance que o Fisco terá sobre a operação das empresas. Antes de liberar a nota online, o Sped vai capturar informações sobre o produto que será vendido, seu preço e quem será o comprador. Dessa forma, praticamente todas as transações comerciais das companhias ficarão armazenadas num banco de dados que será utilizado pela Receita e pelas 27 secretarias estaduais da Fazenda.
Além da nota eletrônica, o Sped terá duas outras grandes fontes de informação. As empresas convocadas terão de enviar pela internet seus dados contábeis (todos os pagamentos e recebimentos realizados, o que inclui vendas, compras e salários de funcionários, entre outros) e fiscais (todos os registros de notas fiscais que geraram débitos e créditos de tributos). Ambas as tarefas já são exigidas das companhias, mas na base da papelada. Agora, essas informações serão confrontadas com os dados fornecidos pelas notas fiscais eletrônicas, deixando, aí sim, a empresa praticamente nua sob o ponto de vista tributário. O que as empresas acham disso? “Será um enorme avanço para quem trabalha corretamente, pois, quanto maior for a exposição, mais empresas terão de cumprir as mesmas regras e mais justa será a concorrência”, diz Welson Teixeira, diretor de relação com o investidor da Sadia.
De fato, o Sped tem o potencial de ser uma arma poderosa contra a informalidade. Nem as micro e pequenas empresas, fora do sistema, passarão incólumes pelas transformações. Pela lei brasileira, nenhuma companhia pode vender ou comprar de outra que esteja desabilitada pelos fiscos devido a alguma pendência tributária grave. Ocorre que, na prática, há milhares de empresas que continuam operando e emitindo notas apesar de desabilitadas. Isso deve mudar. A nota fiscal eletrônica consegue verificar online se vendedor e comprador estão autorizados a funcionar. Não há, pelo menos inicialmente, intenção de bloquear a emissão da nota eletrônica em caso de irregularidade. Porém, as informações ficarão registradas no banco de dados e certamente gerarão autuações futuras. Na Wickbold, uma das maiores fabricantes de pães do país, o setor fiscal está levantando a situação tributária dos 5 000 clientes e fornecedores. “Vamos procurar todos os que tiverem problemas e pedir que eles os solucionem”, afirma Ronaldo Wickbold, dono da empresa. “Não queremos deixar de negociar com ninguém, mas também não queremos ser autuados pelo Leão.”
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